Entrevista ao Mundo Escrito em setembro de 2023

Publicado em 21/05/2024

Entrevista à empresa Mundo Escrito (“serviços profissionais de apoio à escrita”) em setembro de 2023

 

1 - Como começou sua paixão pela língua portuguesa?

Se paixão eu tenho é mais por revisão, especialmente das traduções de textos do inglês e do francês. O  interesse na língua portuguesa foi surgindo espontaneamente quando trabalhei com redação no serviço público – de vez em quando me perguntavam alguma coisa sobre gramática e eu me desafiei a ter proficiência nas respostas. Comecei então a estudar por mim mesma aquilo que não tinham me ensinado na escola.

 

2 - E hoje, depois de todos esses anos trabalhando como professora e revisora, o que há de mais fascinante na língua portuguesa na sua opinião?

Eu diria que é o fato de ser uma língua musical e fácil de aprender (me desculpem os céticos).

 

3 - Quais livros da literatura brasileira foram marcantes na sua trajetória?

Todos os de Erico Verissimo e os seis livros de Memórias do escritor mineiro Pedro Nava.

 

4 - Há regras da norma-padrão não recomendadas pela senhora para serem utilizadas haja vista outras formas terem sido já consagradas pelo uso?  Se a resposta for positiva, poderia citar alguns exemplos, por favor?

Sim. Eu trabalho bastante com a norma culta, a língua usada pela grande maioria dos falantes cultos, ou seja, quem tem formação universitária. E também levo em conta o uso brasileiro atual ao me posicionar a favor de certas inovações sintáticas. Vamos aos exemplos, começando com a sequência de dois verbos de diferente regência: Li e gostei dos livros, entrei e saí de casa – está correto, quando o canônico seria dizer: Li os livros e gostei deles, entrei em casa e saí dela (cf. Não Tropece na Língua 119).  Por que não Vende-se frutas diversas, em vez de Vendem-se frutas? É o normal no Brasil. Outra: entre mim e você é a recomendação dos gramáticos tradicionais, mas usualmente se diz “entre eu e você”, ou como sugiro: entre você e eu (cf. Não Tropece na Língua 48). Para finalizar aqui, vejam esta variação informal: Custei para entender, custo a crer, que convive com  a forma recomendada pela língua-padrão: custou-me entender, custa-me crer (cf. Mural de Consultas 336).

 

5 - Como a senhora avalia a utilização da língua como instrumento de diferenciação social, gerando, por exemplo, o preconceito linguístico?

Abordei essa questão na minha dissertação de mestrado e publiquei um resumo dela no livro Não Tropece na Redação: questões de gramática e estilo. O modo como o falante se expressa pode revelar seu capital econômico-social, o qual lhe permite melhor acesso aos espaços de cidadania e por consequência ao domínio da norma culta. Para o imenso contingente de pessoas oriundas das camadas sociais desfavorecidas resta o falar “errado”, ler pouquíssimo e escrever muito mal, o que de fato lhes confere julgamentos desfavoráveis e depreciativos – é o chamado preconceito linguístico.

 

6 - Quais são as principais características que um bom profissional que atua na área de revisão deve ter?

Bagagem cultural e linguística, curiosidade (para ir em busca de aprendizado sempre) e foco no detalhe – as três mais importantes.

 

7 - Em relação ao uso da língua portuguesa, que conselhos a senhora daria a escritores que estão começando?

Ler bons autores, persistir (ou seja, praticar a escrita frequentemente) e ir se aperfeiçoando até chegar ao nível de participar de um concurso literário ou de ser convidado a publicar um livro seu.

 

8 - Como as redes sociais estão transformando a nossa língua e qual o futuro da língua portuguesa?

Como todo idioma, com o tempo o Português vai passar necessariamente por transformações, mas não em razão das redes sociais. Estas apenas refletem tais mudanças; e, por outro lado, repercutem os problemas causados por uma formação escolar deficiente.

 

9 - O linguista Marcos Bagno, numa live realizada pela Parábola Editorial (no Youtube), disse que considera que a falta de habilidade no uso da pontuação decorre de uma educação linguística falha, como é a que temos no Brasil, infelizmente. O que a senhora considera que pode ser feito para que esse problema seja resolvido?

Concordando com Marcos Bagno, entendo que a pessoa que quer ser bem-sucedida no seu trabalho, seja ele qual for, deve ser autodidata para superar essa falha. E para isso eu me permito sugerir o meu livro Só Vírgula: método fácil em vinte lições, lançado em 1996 e publicado recentemente em 4ª edição pela EdUFScar – SP. 

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