Não Tropece na Língua
Número: 240
Data: 29/06/2016
Título: INFINITIVO E PRONOME SE INÚTIL
Eis um assunto difícil, talvez impossível de abordar numa só lição. Trata-se exatamente do uso do pronome se em frases como a inicial: deveria eu ter escrito “impossível de se abordar”? Não necessariamente. Para confirmar, vejamos alguns casos específicos do emprego do infinitivo sem o pronome se para indicar impessoalidade.
1. Não se usa o pronome se com o infinitivo de orações substantivas (grifadas abaixo), das quais a mais comum é a oração subjetiva (funciona como sujeito do verbo ser e de outros verbos como convir e caber):
É bom viver nesta cidade. [e não: *viver-se]
Não é possível duvidar do rapaz. [e não: *duvidar-se]
As mesmas roupas permitem chegar a um visual novo e bonito, bastando acrescentar acessórios diferentes. [e não: *se chegar/ *se acrescentar]
Era importante manter negociações com os países fronteiriços.
Convém fazer a escalada devagar.
Não havia como suspeitar da moça, sempre tão solícita...
Na estrutura ser de + infinitivo, o se – embora comum – não precisa ser usado:
Era de ver a confusão no parque!
É de ver e rever!
Não havia lei que regulamentasse as temporadas de caça ou a captura de animais com armadilhas, de modo que não era de espantar que a maioria dos colonos praticasse a caça livremente.
É de esperar que os melhores candidatos sejam aprovados.
2. Não se usa o pronome se quando o infinitivo complementa um adjetivo e tem sentido limitativo ou passivo (por isso às vezes chamado de infinitivo passivo):
É uma cidade boa de viver. (de alguém viver, de a gente viver)
Tal sujeito é osso duro de roer! (de ser roído)
No estande da feira havia livros baratos e bons de ler.
Algumas poesias são fáceis de decorar, outras não.
Só encontrei no saite exercícios difíceis de fazer.
3. O infinitivo fica invariável quando funciona como complemento nominal de um substantivo:
Já era hora de investigar o assunto. [e não: *de investigar-se]
O processo de dividir as cotas foi rápido.
Encontrou-se muita dificuldade em obter a cura.
O hábito de beber álcool é nocivo à saúde.
Há várias maneiras de fazer planilhas.
Observo que em alguns desses casos será possível flexionar o infinitivo se for preciso deixar claro que o sujeito é “nós”, perdendo o infinitivo a sua impessoalidade: Já era hora de investigarmos o assunto. O processo de dividirmos as cotas foi rápido. Mas normalmente o contexto onde se acha a frase já deixa isso evidente, tornando desnecessária a flexão.
Alguns ainda poderão objetar dizendo que usam o se porque tal construção corresponde à voz passiva sintética. A ver: hora de ser investigado o assunto; dificuldade de ser obtida a cura, maneiras de ser feita uma planilha... Se assim for, é conveniente anotar que no plural, no rigor da gramática, deve-se fazer a concordância verbal: Há várias maneiras de se fazerem planilhas.
Por fim, embora o assunto não se esgote por aqui, lembro que é bom analisar a construção sintática antes de excluir o pronome se, pois pode se tratar realmente de voz passiva, a demonstrar impessoalidade, como neste exemplo:
Durante a Segunda Guerra Mundial, com a proibição de se falar o idioma alemão, a Irmã Cácia foi substituída por uma brasileira.
Se se dissesse apenas “de falar o idioma alemão”, a proibição pesaria somente sobre a Irmã Cácia; mas não é o caso, pois nesse período da guerra decretou-se que ninguém podia falar alemão no Brasil.