Não Tropece na Língua
Número: 231
Data: 27/04/2016
Título: DESCULPEM A NOSSA FALHA
--- Como tenho lido e ouvido versões várias, pergunto: o certo é desculpe o transtorno ou desculpe pelo transtorno? O Houaiss cita como exemplo desculpe a insistência enquanto Sacconni abomina desculpe a nossa falha. O que faço? Marcelo, Recife/PE
Ora, ora, que intransigência. Há várias maneiras corretas de pedir desculpas. O Padre Vieira, nos seus famosos Sermões (1679), já usava o verbo desculpar como transitivo direto (sem preposição): “Por isso já desculpa a ingratidão dos homens com a sua ignorância”. Os exemplos clássicos e atuais são inúmeros nesse sentido. Pode o leitor amigo confiar e continuar a dizer:
Desculpe o atraso.
Desculpe a insistência.
Desculpem o pouco conforto no nosso flat e fiquem à vontade.
Desculpa o mau jeito!
Desculpa a minha fraqueza, podes?
Desculpem as brincadeiras.
Peço que vocês desculpem nossos amigos pelos excessos cometidos.
Queira desculpar a falta de urbanidade dos colegas.
A boa senhora estava sempre disposta a desculpar os outros.
Desculpe, não ouvi bem, pode repetir?
É bom notar que a forma verbal desculpe é o imperativo da terceira pessoa (você), e desculpa é da segunda, isto é, refere-se a tu. Ao empregar desculpem, estamos falando com mais de uma pessoa: [vocês] desculpem. Essas são formas usuais de polidez, para justificar ou minimizar a falha cometida.
Essas fórmulas ou frases de desculpas também poderiam ser usadas pronominalmente, ou seja, com o pronome átono e uma preposição:
Querida, desculpe-me pela demora.
Desculpe-me por insistir no assunto.
Não vou desculpá-lo por tanto atraso!
Desculpa-me por ter te chamado tão cedo.
Peço desculpar-me pelos erros que deixei passar no texto.
No entanto, até por comodismo, costuma-se deixar pronome e preposição de lado. Aliás, observe-se que falamos da preposição por na versão acima, atual. Já nos exemplos registrados em dicionários antigos e novos a preposição encontrada é de, e também com quando se trata de “alegar ou pretextar como desculpa”:
O visconde abriu a porta da sala imediata, culpando-se e desculpando-se da demora.
Desculparam-se de só chegar àquela hora.
Tornou o mineiro a desculpar-se da insuficiência e mau preparo da comida.
Teresa, desculpando-se com o cansaço, arrancou-se ao martírio de não poder chorar em silêncio.
--- Na frase: Muito caros fulano, beltrano e sicrano. A dúvida é relativa ao emprego das palavras Muito caros. E o porquê dessa utilização. A.R., Paranaíba/MS
O emprego da expressão muito caros, embora raro, está correto. O adjetivo plural caros está no lugar de queridos. Seria assim:
Fulano, beltrano e sicrano são queridos.
Fulano, beltrano e sicrano são muito queridos.
Fulano, beltrano e sicrano são muito caros.
Isso corresponde a dizer, no início de um discurso ou de uma correspondência:
Caros amigos
Meus amigos muito caros
Muito caros amigos...
Muito caros fulano, beltrano e sicrano.