Não Tropece na Língua
Número: 226
Data: 23/03/2016
Título: REUNIÕES NECESSÁRIAS: É PRECISO REUNIÕES
O assunto é batido, já que costuma ser tratado nas aulas de Português, mas sempre há o que discutir sobre a concordância nominal, corretamente usada nas frases abaixo, como podemos verificar:
Foram necessárias várias reuniões de toda a oposição com Itamar: como bom mineiro, ele mais ouviu do que falou, mas obteve a garantia da oposição de que não sofreria retaliações.
No Brasil, foram precisos muitos anos para que o mito da democracia racial fosse derrubado pelas estatísticas.
Adjetivo concorda com seu substantivo – é lição elementar. Os substantivos reuniões e anos, no caso dos exemplos supracitados, levam os adjetivos antepostos a eles a flexionar no feminino plural e masculino plural, respectivamente. Dito em outra ordem: reuniões foram necessárias e anos foram precisos.
Todavia, o uso consagrou um outro tipo de concordância – neutra, digamos – quando o adjetivo precede o substantivo, ou mais especificamente, quando a frase começa com “é preciso, é necessário, é proibido” etc. Exemplo:
É preciso uma ação emergencial e, nesse caso, é crucial a liderança do presidente.
Está correto, é norma culta. Seria artificial para qualquer falante de português brasileiro, mesmo os cultos (pessoas com formação universitária completa), falar ou escrever “é precisa uma ação emergencial”. Nós até diríamos “é necessária uma ação emergencial”, mas nunca “é precisa uma ação / são precisas ações”.
Como é que os gramáticos justificam esse uso? Pelo entendimento de que aí fica implícito um verbo no infinitivo, em geral ter/haver, que agiria como oração subjetiva (sujeito da oração “é preciso”). Nesse caso, a oração principal mantém-se na forma neutra (masculino singular). A concordância, então, se daria com o infinitivo implícito:
- É preciso [haver] uma ação emergencial. Equivale a: Isto (haver uma ação emergencial) é preciso.
- É preciso [haver] ações concretas. Equivale a: Isto (ações concretas) é preciso.
- É preciso [haver] políticos íntegros. Equivale a: Isto é preciso.
Daí a pergunta da estudante Samira Tereza, de Vila Velha/ES: Por favor, qual a frase correta? É necessário muita atenção ou É necessária muita atenção ao atravessar a rua.
As duas frases estão corretas. A segunda segue a forma erudita, da língua-padrão, que corresponde ao modelo literário. A primeira é a frase correntemente usada na linguagem oral e assim utilizada por subentender um verbo no infinitivo, o qual aliás também pode vir explícito: É necessário ter muita atenção ao atravessar a rua.
Estabeleceram as gramáticas o seguinte critério para o uso da forma neutra “É preciso/ É necessário/ É proibido” no início da frase: o substantivo não pode estar determinado. Haveria uma diferença entre as duas construções abaixo, que é o fato de vir o substantivo precedido por um artigo definido (ex. 1) ou não (ex. 2):
1) É necessária a paciência de um monge para te aguentar!
2) É necessário paciência, meu bem.
No primeiro caso – repito o que diz a gramática normativa – o adjetivo é obrigado a flexionar no feminino por causa da determinação pelo artigo a. A questão é que mesmo aí se pode subentender o infinitivo: É preciso [ter] a paciência de um monge, o que permitiria manter o neutro “É preciso”. Incoerência gramatical? O assunto continua na próxima semana.