Não Tropece na Língua

Número: 185
Data: 12/05/2021
Título: COMO USAR "PORÉM"

--- Os manuais de redação afirmam que não se pode iniciar oração com porém. Por quê? Solange Loos, Curitiba/PR

--- Nunca se usa porém em início de parágrafo? Todas as gramáticas condenam tal uso ou há alguma brecha para usá-lo? N. N. R., Brasília/DF

Temos aqui duas questões: o uso de porém no início da oração e do parágrafo. Não há jornal ou revista que não contenha pelo menos uma frase ou oração iniciada pela conjunção adversativa “porém”. Isso faz parte da nossa escrita, sempre fez. Dois exemplos:

O lançamento dessa medicação é um avanço, porém a reportagem não comentou o seu preço.

Vence quem ganha mais e cede menos. Porém, ceder é preciso.

Assim, não vejo razão para uma afirmação deste tipo: “Porém: Não inicia oração e, por isso, deve aparecer no interior dela”. Pode-se até dizer que essa conjunção fica elegante, talvez requintada, quando aparece no meio da oração (p. ex., “Ceder, porém, é preciso”), mas não que essa deva ser a regra.

E já que se trata mais de estilo do que de erro, que Gladstone Chaves de Melo tome a palavra. O conhecido professor mineiro-carioca, doutor em língua portuguesa e autor de mais de 30 obras, em seu livro Iniciação à Filologia Portuguesa (1957,  p.353) faz as seguintes ponderações no capítulo “Como se deve estudar a língua”:

“Todo o ensino da língua deve consistir em apurar o sentimento da linguagem. Mostrar o que está certo, chamar a atenção para o que está bem [...] Aprimorar o gosto, despertar e fomentar o senso de distinção, exercitar a plasticidade da inteligência, para fazer compreender que para cada uso linguístico há uma linguagem especial, de tal modo que não é possível estabelecer esquemas rígidos, grosseiramente aplicáveis a todos os casos [...].

“Se alguém traz no bolso do colete a regra seca de que não se começa a frase por pronome oblíquo, como poderá apreciar a beleza daqueles versos do Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela, quando Anchieta encontra uma índia cismarenta, lhe dirige a pergunta: ‘O que fazias, filha’?, e ouve como resposta: ‘Me lembrava dessa criança’? [...]

“Se alguém levou a sério a lição veiculada por Cândido de Figueiredo de que ‘não é bem português’ a colocação de porém no início de frase – não obstante as centenas de exemplos em contrário, desde os mais antigos até os mais modernos textos –, se alguém levou a sério a cerebrina teoria, não poderá saborear devidamente a beleza desta construção de A cruz mutilada, de Herculano: ‘Porém, quando mais te amo...’ ”

Quanto à segunda questão, de fato não convém iniciar parágrafo com porém, mas e senão, que são as adversativas por excelência. Se essas três conjunções têm valor adversativo, isto é, exprimem a incompatibilidade das ideias envolvidas, elas devem estar ligadas de imediato ao enunciado anterior, dando pois sequência à afirmação principal ou tópico frasal do parágrafo, embora com ideia de oposição, contrariedade.

As outras assim chamadas conjunções adversativas [portanto, entretanto, contudo, todavia, não obstante] são na verdade “advérbios que estabelecem relações interoracionais ou intertextuais” (Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, 2001:322), podendo por isso dar início a um novo parágrafo, ao contrário de mas e porém.