Não Tropece na Língua

Número: 063
Data: 09/01/2019
Título: VENDEM-SE OU VENDE-SE CASAS? (1)

Muitos leitores desejam saber se estão corretos os anúncios de venda e aluguel de casas com o verbo no singular. O que comumente se vê é vende-se casas, sintaxe correspondente ao uso espontâneo da língua e de grande eficiência comunicativa. É uma forma aceita socialmente, mas não gramaticalmente. A gramática normativa recomenda que o verbo aí vá para o plural para concordar com seu sujeito, que é casas. Não se trataria, pois, de uma questão rigorosa de certo ou errado, mas de gramática natural vs. artificial, de adequação ou nível de formalidade.


O uso popular no Brasil é este: conserta-se relógios, aluga-se quartos, faz-se chaves, vende-se lotes, forra-se botões, pinta-se muros, lava-se roupas – isso porque as pessoas sentem a construção como ativa, com um sujeito ativo (alguém faz, a gente faz), e não com um sujeito passivo. Neste caso, para se entender que o sujeito de "vender" é casas ou lotes, é preciso pensar a frase na voz passiva com verbo auxiliar: casas são vendidas, botões são forrados, quartos são alugados, roupas são lavadas...


No entanto, embora essas formas no singular já tenham sido inúmeras vezes documentadas em textos de bons autores, ainda exige a gramática tradicional (e os vestibulares e outros concursos também) o verbo no plural. É “sintaxe mais conceituada junto a pessoas de prestígio social e cultural”, dizia Celso Luft. Assim sendo, vamos pluralizar o verbo em frases deste tipo:


Não se discutem os sonhos e as alegrias de uma jovem ou o quanto ela se realiza como ser humano, mas se debatem os centímetros a mais ou a menos em seus quadris.

Realizaram-se todas as investigações possíveis.

No dia 12 passado expediram-se os ofícios de nº 55 e 56.

Evitaram-se, dessa maneira, as injustiças que por muitos anos se fizeram presentes.

Veja como se armam estratégias, como através da formalidade escondem-se afetos e desejos.

Já não se aceitam essas falcatruas como antigamente.

No Brasil, na década passada, elaboraram-se muitas pesquisas na área de Direito Ambiental, mas colheram-se poucos resultados.

Consomem-se produtos transgênicos sem se saber se haverá danos à saúde.


A teoria estabelecida, pois, é de que “verbos transitivos diretos com se estão na voz passiva” [vende-se = é vendido]. São transitivos diretos aqueles verbos que se ligam diretamente ao seu complemento, ou seja, sem a intermediação de uma preposição como de, a, para, com, e somente eles podem ser transformados em voz passiva. Neste caso, o complemento – o objeto direto – se torna o sujeito da voz passiva construída com o verbo auxiliar ser + particípio, e o sujeito da voz ativa se torna o agente da passiva. Vejamos alguns exemplos:


Voz ativa
          1) O general Vidella derrubou a presidenta Isabelita Perón.
          2) Nesta temporada o time alcançou suas metas.
          3) O Conselho discutirá o assunto em mesa-redonda.
          4) Muitos fazendeiros ainda marcam os bois a ferro.


Voz passiva com auxiliar ou analítica
          1) A presidenta Isabelita Perón foi derrubada pelo general Vidella.
          2) Nesta temporada as metas foram alcançadas pelo time.
          3) O assunto será discutido em mesa-redonda pelo Conselho.
          4) Os bois são marcados a ferro por muitos fazendeiros.


Quando não é necessário explicitar o agente, há uma segunda maneira de indicar a voz passiva: por meio do pronome se, conhecido então por “partícula apassivadora”. Esta passiva se constrói apenas com o verbo na 3ª pessoa – do singular ou do plural, conforme o substantivo/sujeito que o acompanha:


Voz passiva pronominal ou sintética
          1) Derrubou-se a presidenta Isabelita Perón.
          2) Nesta temporada alcançaram-se todas as metas.
          3) Discutir-se-á o assunto em mesa-redonda. 
          4) Ainda se marcam bois a ferro. 


E como reconhecer aqueles verbos que também são usados com o pronome se mas não podem ser apassivados? Isso veremos no próximo artigo.