Não Tropece na Língua
Número: 143
Data: 22/07/2020
Título: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE VÓS
--- Por que nos cursos de português não se usa mais o pronome vós? Como usar vós, o que significa? Amélia, São Paulo/SP
Precisamos começar lembrando que temos três pronomes pessoais no singular e três no plural. A primeira pessoa é a que fala: eu e nós. A segunda é a pessoa com quem se fala: tu e vós. A terceira é a pessoa de quem se fala: ele/ela e eles/elas. Ocorre que nós brasileiros deixamos de lado tu e vós em favor de você e vocês, que seriam pronomes de tratamento tanto quanto o senhor, a senhora, vossa senhoria, vossa excelência.
O pronome pessoal tu é ainda usado em algumas regiões do Brasil (eu mesma tuteio a maioria das pessoas com quem converso), mas o seu correspondente no plural – vós – não é jamais falado neste país. Seu uso ficou restrito ao âmbito religioso e literário, podendo ser encontrado ainda em escritos de natureza bastante formal como um discurso. É por essa raridade que os livros didáticos não incluem mais este pronome na conjugação verbal, Amélia. Mas é interessante saber como ele funciona, ao menos como “conhecimento geral”.
VÓS SINGULAR
Apesar de pertencer à categoria plural, vós pode ser usado em relação a uma só pessoa. É o caso, por exemplo, da Divindade: Pai Nosso, que estais no céu, santificado seja o Vosso nome...
Também é muito comum os fiéis se dirigirem a Deus com a segunda pessoa do singular, sem que isso signifique menor respeito ou reverência. Assim sendo, a mesma oração pode ser feita com o uso do pronome Tu, mas neste caso é preciso observar a mudança dos verbos, naturalmente, e demais pronomes: Pai Nosso, que estás no céu, santificado seja o Teu nome...
VÓS PLURAL
Para ilustrar o uso do pronome vós como segunda pessoa do plural, trago um trechinho do poema Versos, de Cruz e Sousa, escrito em 1881 na então Desterro, hoje Florianópolis:
Eia, jovens, avante!
Ser artista é brilhante,
Trabalhar é uma lei!
[...]
Não temais os pampeiros
Sois gentis brasileiros
Deveis pois progredir!
Quem vos traça na história
Vossa augusta memória
É um deus – o Porvir!
Do mesmo Cruz e Sousa destaco o poema O Assinalado para demonstrar que ele usava tu sempre que se dirigia a uma só pessoa, reservando vós para o coletivo (no poema acima, vimos que se tratava dos jovens):
Tu és o louco da imortal loucura,
o louco da loucura mais suprema.
A terra é sempre a tua negra algema,
prende-te nela a extrema Desventura.
Mas essa mesma algema de amargura,
mas essa mesma desventura extrema
faz com que tu’alma gema
e rebente em estrelas de ternura.
Tu és o Poeta, o grande Assinalado
que povoas o mundo despovoado,
de belezas eternas, pouco a pouco.
Na natureza prodigiosa e rica
toda a audácia dos nervos justifica
os teus espasmos imortais de louco!