Não Tropece na Língua

Número: 002
Data: 08/11/2017
Título: O MESMO

Embora possa ser relativamente comum em outros idiomas, no português do Brasil o uso de  “o mesmo” no lugar de nomes e pronomes é considerado indevido e até inconveniente.  A palavra mesmo pertence a diversas categorias gramaticais e seu emprego é absolutamente correto nas seguintes situações:


A. Como adjetivo/pronome (portanto variável), com o sentido de “exato, idêntico, tal qual, próprio, em pessoa”:
 

1. Foi pelo mesmo caminho.

2. Sou sempre a mesma pessoa.

3. Eles mesmos redigiram o discurso.
 

B. Como advérbio (portanto invariável), com o significado de “justamente, até, ainda, realmente”:
 

4. É lá mesmo que vendem o produto.

5. Estes remédios são mesmo eficazes.

6. Há mesmo necessidade disso?
 

C. Como conjunção concessiva, equivalente a “embora, apesar de”:
 

7. Mesmo diante de tais alegações em sede de reconvenção e contestação, o apelado quedou-se silente, reforçando ainda mais a veracidade delas.

8. Sendo assim, mesmo inexistente a cláusula resolutória, com o inadimplemento do outro contratante a parte lesada pode requerer a resolução do acordo.
 

D. Como substantivo (expressão invariável, no masculino), significando “a mesma coisa”:
 

9. Fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente. 

10. Houve incidência de juros legais a partir da citação e correção monetária a contar do ajuizamento do pedido, o mesmo acontecendo em relação às despesas processuais e custas derradeiras.
 

O problema está em usar “o mesmo” no lugar dos pronomes pessoais, sejam do caso reto (ele/ela) ou do caso oblíquo (o/a, lhe). Isso indica pobreza de linguagem ou falta de familiaridade com os pronomes pessoais. Algumas vezes – imagino – a pessoa tem insegurança no trato com os pronomes, mas ao mesmo tempo quer evitar a repetição de um determinado substantivo, então coloca o mesmo (ou a mesma, se feminino) no seu lugar.


Observe que nos exemplos 1 e 2, acima, mesmo acompanha um substantivo – não o substitui. No exemplo 3 acompanha um pronome. Em 4, acompanha um advérbio. Em 5 e 6, um adjetivo. Em nenhum bom exemplo a palavra mesmo toma a vez do substantivo.


É mais uma questão de estilo do que de gramaticalidade. Digamos então que fica ruim, ou não convém, escrever da forma abaixo:


Deixou de constar a declaração do condutor do veículo pelo fato de o mesmo estar hospitalizado sem condições de prestá-la.

Registra o parecer técnico que Valente abandonou a esposa e filhos por diversas vezes, sendo que a mesma mudou-se de Estado.

Ontem vi meu ex-chefe e convidei o mesmo para um cafezinho.

Já que o secretário executivo esteve nos visitando, entregamos ao mesmo a documentação.

Busque as fichas no almoxarifado e verifique se as mesmas estão carimbadas.

Desejando rever o conteúdo jurídico do projeto, solicito seja o mesmo retirado de pauta.


Em melhor português você diria assim:


Deixou de constar a declaração do condutor do veículo pelo fato de ele estar hospitalizado sem condições de prestá-la.

Registra o parecer técnico que Valente abandonou a esposa e filhos por diversas vezes, sendo que ela mudou-se de Estado.

Ontem vi meu ex-chefe e o convidei para um cafezinho.

Já que o secretário executivo esteve nos visitando, entregamos a ele [ou entregamos-lhe] a documentação.

Busque as fichas no almoxarifado e verifique se [elas] estão carimbadas.

Desejando rever o projeto, solicitou seja [ele] retirado de pauta.