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Pergunta nº: 465
23/11/2016 - Ivanildo de Sá Teixeira
Consulta: Professora: Na frase: "Aquilo acontecia seja porque pediam que acontecesse, seja porque tinha mesmo de acontecer", o binômio "seja... seja", formado pelo verbo "ser", não acompanha mesmo o tempo dos verbos da frase? A meu ver, "seja... seja" só teria cabimento se a frase estivesse no presente: "Aquilo acontece seja porque pedem que aconteça, seja porque tem mesmo de acontecer." Na frase de cima, com "acontecia" e "tinha", acho que soaria melhor usar: "Aquilo acontecia fosse porque pediam que acontecesse, fosse porque tinha mesmo de acontecer." Esclareça-me, por favor. Antecipadamente, muito grato pela explicação que me possa dar.

Resposta:
A denominada conjunção coordenativa alternativa seja...seja, pelo fato de ser constituída por uma forma verbal, concorda com o sujeito e pode variar em tempo, como nestes exemplos:

. Sejam sócios, sejam visitantes, todos participarão do sorteio.
. Fossem bons, fossem maus, a instituição lhes daria o apoio necessário.
. Expressava tudo quanto sentia, fossem tristezas, fossem alegrias.

Peço notar o uso de “como” antes do substantivo plural na frase a seguir, a denotar que não há sujeito com que fazer a concordância no plural, como li em certo jornal: “Santa Catarina terá a obrigação de receber bem os colombianos, seja como turistas, seja como alunos em nossas universidades” (*sejam como turistas/alunos constitui erro).

Então, no seu exemplo, se pensarmos rigorosamente em termos gramaticais tradicionais, colocaremos o binômio no pretérito: "Aquilo acontecia fosse porque pediam que acontecesse, fosse porque tinha mesmo de acontecer.” Mas esta frase não me parece boa, nem melhor do que com seja...seja. Ficaria mais fluente assim: "Aquilo acontecia porque pediam que acontecesse, ou porque tinha mesmo de acontecer.”

Aproveitando a pergunta, quero deixar muita gente aliviada ao tocar na questão do emprego lícito de seja...ou. Apesar da “proibição” que anda por aí, não é erro usar seja...ou (em vez de seja...seja). Esta variante é uma forma evoluída de uso, aliás bastante comum na fala e numa linguagem menos literária.

Em sua grande obra “Syntaxe Histórica Portuguesa” (Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1959, 4ª ed., p. 254-5), Augusto Epiphanio da Silva Dias exemplifica o emprego dos “membros disjunctivos” ou seja...ou seja e ou seja...ou valendo-se do Pe. Antônio Vieira (século 17):
De lá... onde ilustrais o Mundo com vossas vitórias, ou seja no círculo do Astro, ou no frio do Setentrião.
Se alguém me replicar, que este, ou seja conhecimento, ou modéstia, não é tão decente.


Assim como o primeiro “ou” não precisa ficar explícito na alternativa ou...ou (p.ex. Visitaremos [ou] a abadia ou o museu), também ele tornou-se facultativo naquela que ilustramos com Pe. Vieira: [ou] seja...ou. E vamos admitir que esta forma é mais simples, fácil e comunicativa! Portanto, que os professores de português não vejam erro em frases deste tipo:

. Você deverá tomar este medicamento, seja em drágeas ou sob a forma de gelatina.
. Desse modo, a mera circunstância da morte de alguém – fosse ela resultante das leis da sociedade ou de um acidente – poderia ser interpretada de maneira simplista.

Só por curiosidade, em espanhol e em inglês é de praxe utilizar a sequência seja...ou:
Do intentions, whether good or bad, really matter in the end?
Thus, the mere circumstances of a person’s death, whether resulting from the laws of society or from an accident, could be misinterpreted.
Ya sea mala o buena, la gente necesita nuestra atención.


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