Não Tropece na Língua

Número: 003
Data: 15/11/2017
Título: EVENTO QUE SE REALIZARÁ - MESÓCLISE

*Convidamos para a feira do gado, que realizar-se-á de 12 a 15 de março.


A frase acima foi destacada de um folheto promocional por conter um equívoco de redação. Existem erros que passam despercebidos, mas o bom ouvido logo acusa uma falta de eufonia no trecho “que realizar-se-á”. Como o pronome relativo que tem a faculdade de atrair as partículas átonas, como o se, o correto é redigir assim:


Convidamos para a feira do gado, que se realizará de 12 a 15 de março.


O que leva muitos redatores a usar a mesóclise “realizar-se-á” nesse tipo de frase? Certamente é o fato de o verbo estar no futuro do presente, pois se aprende na escola que a mesóclise [intercalação de pronome átono no verbo] é usada nos tempos futuros. Mas isso é apenas parte da questão. Falemos antes sobre esse tempo verbal.


O FUTURO

Em português temos dois tempos de futuro no modo Indicativo: o do presente, com as terminações ei, ás, á, emos, eis, ão (eu direi, tu cantarás...) e o futuro do pretérito, com as terminações ia, ias, ia, íamos, íeis, iam (eu diria, tu cantarias...). Este último já foi chamado de “tempo condicional”, e é assim que se denomina em francês (conditionnel) e em italiano (condizionale).


No latim vulgar o futuro clássico foi substituído por uma composição do infinitivo de um verbo com o indicativo do verbo haver: saber + hei  (ou hei de saber) = saberei; falar + hás (hás de falar) = falarás; realizar + hia (por havia) = realizaria. A princípio havia certa liberdade na ordem de colocação do infinitivo, que podia vir antes ou depois do verbo haver, mas depois ele acabou se fixando no primeiro lugar da construção. Entre nós ficou a consciência dessa formação original do tempo futuro, tanto é que se pode intercalar nele o pronome oblíquo átono [me, te, se, lhe/lhes, o/os, a/as, nos, vos]: sabê-lo-ei, falar-lhe-ás, realizar-se-ia. A essa interposição chamamos mesóclise.


ÊNCLISE INVIÁVEL

Primeiramente, sabe-se que é inviável ou proibida a ênclise com os verbos no futuro. Isso quer dizer que não se usam os pronomes átonos depois do verbo no futuro do presente ou do pretérito, assim: “darão-se, levarei-te, fará-se” ou “diria-se, contariam-nos, mandaria-lhe”. Essas formas verbais em início de frase devem ser transformadas em mesóclise: dar-se-ão, levar-te-ei, far-se-á, dir-se-ia, contar-nos-iam, mandar-lhe-ia.


No entanto, a mesóclise não é sempre obrigatória. Pode-se também usar a próclise com o futuro, ou seja, o pronome antes do verbo. Basta que para isso haja na frente do verbo uma palavra que atraia o pronome átono, como um advérbio de negação ou um dos conectivos iniciados com QU (para não falarmos em conjunção e pronome relativo): que, quem, qual, quais, quando.


Por consequência, não escreva:


* Surgiu a proteção que dar-se-ia pelas normas vigentes.

* Transferiu-se a programação para o próximo sábado, quando dar-se-á ao cliente maior atenção.

* Não se sabe quem interessar-se-á pela criação de ostras.

* Jamais ser-lhe-á exigida indenização.

* É necessário manter a ordem preestabelecida, sem a qual tornar-se-á nula a inscrição.


Corrija para:


Surgiu a proteção que se daria pelas normas vigentes.

Transferiu-se a programação para o próximo sábado, quando se dará ao cliente maior atenção.

Não se sabe quem se interessará pela criação de ostras.

Jamais lhe será exigida indenização.

É necessário manter a ordem preestabelecida, sem a qual se tornará nula a inscrição.